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Bruxa em tempos de retrocessos e crise política

3 min readJun 7, 2020
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Desde as civilizações pagãs da antiguidade, que veneravam o ventre da vida, aos astrólogos da Nova Era, a magia sempre esteve presente nos mistérios da vida. A bruxa, aquela que detém os códigos desse conhecimento, da terra às estrelas, também pode ser vista e interpretada ao longo dessa trajetória no tempo.

Mas o que nos torna bruxa? Pensar a bruxaria é possível a partir de diferentes óticas. Uma delas, enquanto fé; outra, enquanto ofício; ainda, enquanto imaginário e folclore. E todas essas, também, enquanto figura e posição política.

Algo que as sacerdotisas da ancestralidade partilham com as bruxas da internet, e todas as que estão nesse locus do tempo, é o lugar da não permissão, da sombra. Desde as comunidades matriarcais suprimidas pela guerra do patriarcado, passando pelas curandeiras que não só pariam como abortavam, assim como aquelas perseguidas pela inquisição. Nessas memórias, por que não incluir ainda as comunidades originárias dizimadas pela colonização ou a ancestralidade apagada pela escravidão? O conhecimento mágico nunca esteve no status quo.

E não pense que trata-se tudo de uma mesma coisa. Os saberes que pulsam da terra são tão diversos quanto a própria humanidade. Mas ao longo dessa humanidade, tivemos personagens e arquétipos combatidos, em diferentes disputas e momentos históricos, que culminam no establishment que temos hoje: uma sociedade patriarcal, monoteísta e hegemônica.

Todas essas ponderações são para dizer que se dizer bruxa, tomar este nome para si, é para além do conhecimento que você acumula ou tão somente a deidade que você cultua, mas é carregar nesta autodenominação uma memória viva, logo egrégora, de resistência à opressão.

Se voltarmos aos mitos mais ancestrais, temos Inanna, Medusa, Gaia, Athena, Arianrhod… todas violentadas face de uma terra suprimida por um masculino que avança.

E como poderíamos chamar por essas deusas, cultuar este feminino, fazer uso dos conhecimentos da terra, das ervas e das estrelas sem considerarmos as tensões políticas que essas memórias nos trazem? E como poderíamos vestir essa face de bruxa hoje esperando nos abstermos das violências que nos rodeiam?

Como poderia uma bruxa, mulher ou homem, não lutar ativamente pela preservação das florestas e povos originários? Se é de lá que vem o saber e os ingredientes das nossas magias feitas na cidade. Como poderia se calar diante discursos e atos que violentam as mulheres? Se são elas face da Deusa que está sob os nossos pés e acima das nossas cabeças? Como poderia uma bruxa se opor aos oprimidos e marginalizados que sofrem nas mãos do Estado como já estiveram nossas ancestrais na mão da Inquisição? Ser contra a arte se de dança, canto e poesia são feitos nossos ritos? Como poderia uma bruxa perpetuar um sistema racista se nossas irmãs já estiveram no tronco da fogueira?

E poderia! Pois a magia que vem da terra é amoral, não funciona nas lógicas humanas, e pode muito bem ser usada como já o fora no passado por aqueles que colocam lenha nessa fogueira ou munição nessa guerra.

Mas aí, não seriam bruxas.

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